Ideofrenias nonsense

Tuesday, January 10, 2006

Eu, etiqueta

Em minha calça está grudado um nome
Que não é meu de batismo ou de cartório,
Um nome... estranho.
Meu blusão traz lembrete de bebida
Que jamais pus na boca, nesta vida.
Em minha camiseta, a marca de cigarro
Que não fumo, até hoje não fumei.
Minhas meias falam de produto
Que nunca experimentei
Mas são comunicados a meus pés.
Meu tênis é proclama colorido
E alguma coisa não provada
Por este provador de longa idade
Meu lenço, meu relógio, meu chaveiro,
Minha gravata, e cinto, e escova, e pente,
Meu copo, minha xícara,
Minha toalha de banho e sabonete,
Meu isso, meu aquilo,
Desde a cabeça ao bico dos sapatos,
São mensagens,
Letras falantes,
Gritos visuais,
Ordens de uso, abuso, reincidência,
Costume, hábito, premência
Indispensabilidade
E fazem de mim, homem-anúncio itinerante,
Escravo de matérias anunciada.
Estou, estou na moda.
È doce estar na moda, ainda que a moda
Seja negar minha identidade,
Trocá-la por mil, açambarcando
Todas as marcas registradas,
Todos os logotipos do mercado.
Com que inocência demito-me de ser
Eu antes era e me sabia
Tão diverso de outros, tão mim mesmo
Ser pensante, sentinte e solidário
Com outros seres diversos e conscientes
De sua humana, invencível condição.
Agora sou anúncio,
Ora vulgar, ora bizarro
Em língua nacional ou em qualquer língua
(qualquer principalmente)
E nisto me comprazo, tiro glória
De minha anulação.
Não sou – vê lá - anúncio contratado.
Eu é que mimosamente pago
Para anunciar, para vender
Em bares, festas, praias, pérgulas, piscinas,
E bem a vista exibo esta etiqueta
Global no corpo que desiste
De ser veste e sandália de uma essência
Tão viva, independente
Que moda ou suborno algum a compromete
Onde terei jogado fora
Meu gosto e capacidade de escolher,
Minhas idiossincrasias tão pessoais
Tão minhas que no rosto se espalhavam
E cada gesto, cada olhar,
Cada vinco da roupa
Resumia uma estética?
Hoje sou costurado, sou tecido
Sou gravado de forma universal
Saio da estamparia, não de casa,
Da vitrina me tiram, recolocam,
Objeto pulsante, mas objeto
Que se oferece como signo de outros
Objetos estáticos, tarifados.
Por me ostentar assim, tão orgulhoso
De ser não eu, mas artigo industrial,
Peço que meu nome retifiquem.
Já não me convém o título de homem
Meu nome novo é coisa.
Eu sou a coisa, coisamente.

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Não sei onde, nem quando nem porquê ou ao menos de quem é,
só sei que gostei.

1 Comments:

Anonymous Anonymous said...

eu jah vi isso em algum livro....

1:22 PM PST  

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