Sobre memóriasEstava eu pensando com meus borbotões. Lembrei-me de amigos de infância, coisas especiais, objetos amados, em suma, tudo de especial que me aconteceu na vida.
Não pude deixar de recordar de minha amiga ***, *** era tão especial, via beleza em tudo na vida. Tão sensível, sempre doente, tinha por volta de 1,55 de altura, olhos intensamente azuis e cabelos sedosos muito bem cuidados, dignos de uma rainha no século XIX.
Um belo dia, eu e ***, fomos dar uma volta no parque. Era outono em Paris, as folhas estavam todas amarelas, laranjas e vermelhas, avistavam-se folhas coloridas caídas em todo lugar.
O vento batia nos seus cabelos cor de mel e faziam-no mexer-se numa dança nupcial. Sua face macia como um pêssego fazia-me querer beijá-la loucamente. Seu jeito de andar ao meu lado, tudo parecia em câmera lenta, seus movimentos eram cuidadosamente pensados antes de serem realizados. Parecia que pensava até para andar, os pés caminhavam em perfeita simetria. Suas mãos pareciam feitas de veludo, sempre dando um jeito de me encostar *** me levava a loucura.
Aquele fim de tarde no parque para mim podia nunca acabar, ficaria ali congelado, eternamente com *** ao meu lado. Certa hora, *** parou em frente a um passarinho, continuei andando e quando percebi sua parada inesperada voltei rapidamente para ver meu objeto de desejo profundo. Estava maravilhada com cada movimento do passarinho, só então pude ver seu sorriso, quando o senti meu coração pular. Era um sorriso tão sincero, seus lábios tão desejados cobriam seus dentes na medida certa, e seu queixo fazia um movimento angelical quando sorria.
Acho que nunca havia visto coisa parecida, nem nunca voltarei a ver, o cúmulo da perfeição estava ali, na minha frente, esperando para ser beijado. Fiquei imóvel por uns 15 segundos, não reagi quando ela olhou pra mim e disse:
- Olha que coisa linda.
Tudo que pude fazer foi repetir a frase na minha cabeça umas cem vezes. Olha que coisa linda, olha que coisa linda, olha que coisa linda. Quando me dei por mim disse:
- Meu deus, olha que coisa linda!
*** não entendeu nada, deve ter me achado o rapaz mais imbecil da cidade. Percebi que já tinha perdido muito tempo com meu devaneio e beijei-a. Finalmente a tinha em meus braços, envolvi-a com tanto amor e ela retribui o beijo para meu gozo.
Neste momento percebi que o melhor momento não era o que havia vivido há uns cinco minutos, quando a vi sorrindo. Mas agora, nesse beijo que começou delicado como uma flor, toquei-a nos lábios com delicadeza, ela fez um leve movimento de cabeça que o fez me sentir o homem mais sortudo do mundo quando pude tocar sua língua.
Infelizmente, o beijo terminou... Fomos interrompidos por uma borboleta que pousou em seus braços. Acho que nunca quis tão mal para uma borboleta como quis com aquela, *** riu com o toque do inseto que me parecia repugnante no momento. Aquela risada não significava mais nada para mim, a mesma risada de instantes atrás não me fez nenhum efeito.
*** foi embora, perdeu a hora, seu pai a esperava para jantar, sinceramente, até hoje acho que foi invenção dela essa estória.
Só sei que dois dias depois *** se mudou para a Inglaterra. Mudou-se sem dar explicações, simplesmente foi embora. E me deixou sozinho com aquela lembrança.
Vinte anos depois daquele tarde de outono ainda me recordo como se fosse hoje. Abro o jornal hoje e vejo no obituário seu nome. Chorei como um bebê e culpei-me por nunca ter procurado-a. É a vida...